Desde el 1 DE SEPTIEMBRE DE 2012 hemos venido celebrando en numerosos pueblos y ciudades del planeta, las lecturas solidarias "ESCRITORES POR CIUDAD JUÁREZ".

Estas lecturas están convocadas en solidaridad con Ciudad Juárez, en representación de todo el pueblo de México y por extensión de cualquier otro rincón del planeta donde el miedo, consecuencia última de la violencia, es utilizado para imponer la voluntad y los intereses de los grupos de poder sobre los derechos y la dignidad de los pueblos y los ciudadanos.

En nombre del colectivo Escritores por Ciudad Juárez continuamos con esta llamada a la solidaridad y la movilización. Quienes lo deseen pueden remitirnos sus poemas o textos, alusivos al conflicto que padece Ciudad Juárez, que serán colgados en este blog y posteriormente utilizados en cuantos proyectos y publicaciones decidan los organizadores de las lecturas solidarias. Las colaboraciones serán colgadas como entradas, con el nombre del autor o autora, junto al nombre de la ciudad de donde nos escriben. Y cada nueva colaboración del mismo autor o autora será añadida a la primera de sus colaboraciones.

Dirección de contacto: poemasporciudadjuarez@hotmail.es

sábado, 1 de septiembre de 2012

INÉS BOTELHO, V.N. de Gaia, Portugal

Tríptico por Ciudad Juárez

Tranca a porta, tranca as janelas. Pensa que existem muitos modos de forçar uma entrada e que qualquer bala pode furar as persianas, partir o vidro, perfurar-lhe a carne. Lembra-se que um vidro partido pode sair projectado e cair-lhe espetado no corpo. Pode atingir uma perna, um braço, a barriga ou as virilhas, o peito ou o pescoço. Tantas formas de dor e tantos métodos para morrer.
Casa, emprego, rua, tudo lugares escancarados ao perigo e à violência. Tudo cheio de gente talvez culpada, talvez inocente. Tudo olhos e ouvidos e mãos prontas a marcarem-no se
disser cabrões, filhos da puta, assassinos, carrascos, corruptos. Tudo um círculo que não se quebra.
Deita-se, dorme. O sono não o escuda nem o salva, traz mais aflições, mais horrores, mais tormentos. Partiram há muito os sonhos, agora só lhe vêm pesadelos.
As noites são negras, os dias também.

Tu e o teu sorriso de menina-mulher, os teus vestidos de flores miudinhas, as tuas mãos fortes, calosas, moldadas pelo trabalho e a poeira. Tu que contavas histórias, embalavas crianças, rias comigo, connosco, que lutavas sempre e vivias independente, sem precisares de homens ou mulheres. Tu que vias em todos os dias esperança e acreditavas no amanhã e recusavas agrilhoares-te ao medo. Tu morreste.
Invadiram-te o corpo, cortaram-no e dividiram-no. Eles. Ou ele. Ficaste aos pedaços e já não eras tu, não eras ninguém, não eras sequer um cadáver para se vestir com roupa domingueira ou vestidos de florezinhas. Velámos um caixão fechado e chorámos e nada sossegou a dor. Não se ultrapassa, sabes, continua-se.

Eles – ou ele – partiram-te o corpo e não sei se te quebraram, se te fizeram implorar, se no último instante te encheram de pavor, se partiste a amargar a vida e a vê-la afinal cheia de desespero. Não sei se consigo confiar em belezas futuras e também não sei se os sonhos ainda existem. Diz-me: estivesse eu agora debaixo da terra, achas que voltarias a sorrir? Entendo.
Levaram-te. Arrancaram-te de mim, de nós, mas ainda aqui podes ficar, nos meus sonhos e sorrisos.

Fecha a porta, corre as persianas, tira os sapatos e bebe um copo de água. Da rua ainda vêm os ecos das sirenes, no asfalto o sangue perdura e as paredes continuam a guardar as marcas do tiroteio. Despe-se.

Lava o suor num duche rápido, veste a t-shirt velha e estende-se sobre o colchão. Em breve dormirá e no sono habita outra realidade, um mundo onde as balas acabaram e há gente nas esplanadas, nos jardins, nos museus; gente feliz, sem medo, crente no amanhã.

Quando acordar e sair para trabalhar, irá ainda algo inebriado por esse sonho, deixará mesmo que ele transborde e lhe contamine um pouco os passos.

(será lido pela autora na sessão de leituras da Póvoa de Varzim)
Inês Botelho, V.N. Gaia, Portugal

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