Mulheres de Ciudad Juarez, mártires de causa nenhuma
Em Ciudad Juarez, está a fronteira entre o céu e o inferno. Não dos que vêm nas escrituras, mas dos que existem mesmo e não se conhecem. Mas “Não há nada oculto que não venha a ser revelado” .
De um lado da linha está o sonho americano. Do outro, a realidade. Nem um nem outra são recomendáveis e prejudicam gravemente a saúde.
A miséria gera outras, procriando incestuosamente. As fronteiras são lugares de contrabando, candonga, insídia, tráfico, crime. Isso também vem nas escrituras – as da vida real. E Ciudad Juarez é um território de fronteira – entre o México e os Estados Unidos, entre o fausto e a pobreza, de corpo e de espírito.
No meio da merda, todos os germes engordam. É assim que a violência germina em Ciudad Juarez, alimentando-se da merda de vida de quem tem o azar de viver por ali.
Na merda, tudo medra: o narcotráfico, os cartéis de droga e transumância de pessoas; o comércio de carne humana para fins inconfessáveis: desde a prostituição aos filmes “snuff”. Essas são as pontas visíveis do iceberg. Oculta está a insidiosa teia da sociedade onde os incautos ficam enredados.
As empresas “maquiladoras” são traves mestras da estrutura da teia.
De toda a parte, vem gente, sobretudo mulheres, trabalhar para as “maquiladoras”. Obrigados a forcejar jornadas intermináveis de trabalho por ordenados de miséria, estão à espera. De melhores dias, de serem atravessados pelos coiotes para o outro lado da fronteira, onde está o sonho. Esta gente, sobretudo mulheres, sobrevive à espera de viver. Não se dá conta que são carne para canhão, estão em carga para alimentarem desejos, vícios, negócios inconfessáveis. Ou talvez se dêem conta de como são usados, mas não têm alternativa senão aguentar e arriscar.
As mulheres de Ciudad Juarez são mártires de causa e de coisa nenhuma.
A mórbida sucessão de crimes, sobretudo contra mulheres, com sinais de inaudita violência, tortura, sevícias sexuais, contrasta com o muro de silêncio e de inacção das autoridades. A polícia, os políticos, as autoridades judiciais fazem parte da teia, estão inquinados e talvez a soldo das forças ocultas que geram e gerem o negócio de carne humana.
Este muro de silêncio parece intransponível mas não é.
Porque:
“Não há nada oculto, que não venha a ser revelado”.
E está em marcha um processo epidémico de divulgação desta carnificina. O poder da palavra, quando arremessada de forma certeira, é tão trespassante como o da bala.
Neste insensato talho em que Ciudad Juarez está transformada, todos estão à espera. Uns, de atingir o sonho; Alguns, de lucrar com os sonhos dos outros; muitos apenas de viver. De viver em paz e segurança. De poder adormecer com um sorriso, a pensar no dia de amanhã.
Outros, estão à espera que se faça justiça.
E nós, de que estamos à espera?
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